Processing math: 100%

domingo, 4 de agosto de 2013

Sobre primos em progressões aritméticas.

É um fato bem conhecido que existem infinitos números primos. Contudo, os primos parecem possuir uma distribuição bastante aleatória. Talvez por isso é que este conjunto de números tenha se tornado tão interessante, sendo fonte de diversos problemas em teoria dos números.

Um dos problemas mais celebrados sobre os números primos é o de determinar progressões aritméticas (P.A.) contendo uma infinidade de números primos. Por exemplo, a progressão aritmética dos números ímpares, i.e., o conjunto \{2n+1;n\in\mathbb{N}\}, contém uma infinidade de números primos. Na verdade, apenas um único número primo não pertence a esta P.A., o número 2. Uma P.A. talvez mais interessante é aquela formada por números do tipo 4n+3, i.e., o conjunto dos números
\textbf{3},\textbf{7},\textbf{11},15,\textbf{19},\textbf{23},27,\textbf{31},35,39,\textbf{43}\ldots.
De fato, podemos provar que este conjunto possui uma infinidade de números primos:

Proposição 1. Existem infinitos primos da forma 4n+3, onde n é um número natural.


Demonstração. Suponha, por contradição, que existe uma quantidade finita de primos da forma 4n+3. Sejam p_0 = 3,p_1,\ldots,p_r tais primos. Considere o número
P = 4p_1 p_2 \cdots p_r +3.

Temos que p_i \nmid P, para i = 0,1,\ldots,r, pois do contrário, teríamos
p_i \mid   4p_1 p_2 \cdots p_r +3,
o que para i=0, implica em
3 \mid 4p_1 p_2 \cdots p_r
ou, para i\neq 0,
p_i \mid 3.
Em qualquer dos casos, temos uma contradição. Logo  p_i \nmid P, para i = 0,1,\ldots,r.

Agora, observe que um número primo ou é da forma 4n + 1 ou da forma 4n+3. Seja p um fator primo de P. Como p não pode ser da forma 4n+3, já que p \notin \{p_0,p_1,\ldots,p_r\}, devemos ter que p é da forma 4n+1. Então todo fator primo de P é da forma 4n+1, logo P é da forma 4n+1. Mas, pela maneira que definimos P, ele é claramente da forma 4n + 3. Isto contradiz a unicidade do algoritmo da divisão. E portanto, é verdade que existem infinitos primos da forma 4n+3. \square

Seguindo a mesma ideia que a demonstração acima, o leitor pode tentar provar que existem infinitos primos da forma 6n+5. Observe que o ponto crucial na demonstração acima é que um primo ou é do tipo 4n+1 ou é do tipo 4n+3. Isto também ocorrerá para o caso 6n+5, já que um primo ou é do tipo 6n+1 ou é do tipo 6n+5

Agora, com uma estratégia diferente, somos capazes de mostrar que existem infinitos primos da forma 4n+1:
Proposição 2. Existem infinitos primos da forma 4n+1, onde n é um número natural.

Demonstração. Seja N>1 um inteiro qualquer. Mostraremos que existe primo p>N da forma 4n+1. Seja 
m = (N!)^2+1.
Note que m é ímpar e maior do que 1. Seja p um fator primo de m. Nenhum dos números 2,3,\ldots,N dividem m, então p>N. Também temos que
(N!)^2 \equiv -1 (\mathrm{mod}\; p).
Elevando ambos os termos da expressão acima à potência (p-1)/2, encontramos
 (N!)^{(p-1)} \equiv (-1)^{(p-1)/2} (\mathrm{mod}\; p).
Mas, pelo Pequeno Teorema de Fermat, 
 (N!)^{(p-1)} \equiv 1 \equiv (-1)^{(p-1)/2} (\mathrm{mod}\; p).
Como p>2, temos que 1 \not\equiv -1 (\mathrm{mod}\; p). Logo (-1)^{(p-1)/2}=1. Daí, temos que (p-1)/2 é um número par. Logo existe n\in\mathbb{Z} tal que
\frac{p-1}{2} = 2n \Leftrightarrow  p = 4n +1.
Como queríamos. \square

Neste ponto, é natural nos perguntamos para quais a e b naturais existem infinitos primos da forma an+b. Observe que uma condição necessária para que exista pelo menos um primo da forma an+b é que \mathrm{mdc}(a,b) = 1. De fato, se d = \mathrm{mdc}(a,b) \neq 1, então a = du e b = dv, com u,v\in\mathbb{N} e daí teríamos an+b = d(un+v), sendo un+v>1. Ou seja, seríamos capazes de fatorar números do tipo an+b.

No ano de 1837, o matemático alemão Lejeune Dirichlet (imagem abaixo) mostrou que a condição \mathrm{mdc}(a,b) = 1 é também suficiente. A prova dada por Dirichlet não é elementar. Mesmo após simplificações posteriores, a prova deste resultado é ainda complicada. Por isso, não daremos aqui, mas o leitor pode encontrá-la esboçada na referência [1].

Teorema 1. (Dirichlet, 1837) Se a e b são números naturais primos entre si, então existem infinitos números primos da forma an+b, onde n é um número natural.






Para finalizar este post, mostraremos que o Teorema de Dirichlet é equivalente a seguinte versão mais fraca:
Teorema 2. Se a e b são números naturais primos entre si, então existe pelo menos um número primo da forma an+b, onde n é um número natural.
Em outras palavras, para provar o Teorema 1, é suficiente mostrarmos a existência de um número primo da forma an+b, quaisquer que sejam a e b naturais primos entre si. Vamos a demonstração disso.

Demonstração da equivalência entre os teoremas 1 e 2. É claro que o Teorema 1 implica no Teorema 2. Mostremos, portanto, a recíproca. Suponha que o Teorema 2 seja válido. Sejam a e b dois quaisquer números naturas primos entre si. Podemos supor que a\geq2, já que o caso a = 1 é trivial. Seja m um número natural qualquer. Mostraremos que existe um número primo p da forma an+b o qual é maior do que m. Pois bem, como a^m e b são primos entre si, o Teorema 2 nos diz que existe um número primo p tal que p = a^m n+b, para algum n natural. Como a \geq 2, temos que a^m \geq 2^m >m, portanto p > m, como queríamos. \square

Uma observação importante: a equivalência entre os teoremas 1 e 2 não é no sentido de que, por exemplo, se eu conseguir encontrar um primo da forma 4n+1, então eu tenho uma infinidade de primos do tipo 4n+1. Observe que, na prova acima, usamos o fato de que o teorema 2 garante a existência de um primo  p da forma a^m n+b para então garantirmos que este primo, sendo da forma an'+b, é maior do que m

Referências.
[1] Tom M. Apostol. Introduction to Analytic Number Theory. Undergraduate Texts in Mathematics. Springer-Verlag, New York-Heidelberg, 1976.
[2] Sierpinski W. Elementary Theory of Numbers. North Holland, 1988.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Use cifrões para inserir um comando TeX. Por exemplo: "Afirmo que \$ \sqrt {2} \$ é irracional".