Jules Henri Poincaré foi um dos mais brilhantes matemático do século XIX (e início do século XX). Considerado por muitos como o último universalista da matemática, devido a sua proeza de conseguir estudar "quase toda" área da matemática. Deixou inúmeros legados em diversas áreas tanto da matemática pura quanto da matemática aplicada.
O teorema que veremos neste post é um dos resultados clássicos em Teoria Ergódica conhecido como Teorema da Recorrência de Poincaré. Minha principal referência é o livro [1], mas indico o livro [2] para um aprofundamento na teoria. Indico também o texto [3] de Ricardo Mañé para algumas aplicações interessantes do teorema.
Considere um espaço de medida finita (M,\Sigma, \mu). Dada uma aplicação mensurável f:M\rightarrow M, dizemos que \mu é invariante pela aplicação f se para todo E\in \Sigma mensurável vale que
O teorema que veremos neste post é um dos resultados clássicos em Teoria Ergódica conhecido como Teorema da Recorrência de Poincaré. Minha principal referência é o livro [1], mas indico o livro [2] para um aprofundamento na teoria. Indico também o texto [3] de Ricardo Mañé para algumas aplicações interessantes do teorema.
Considere um espaço de medida finita (M,\Sigma, \mu). Dada uma aplicação mensurável f:M\rightarrow M, dizemos que \mu é invariante pela aplicação f se para todo E\in \Sigma mensurável vale que
\mu(E) = \mu(f^{-1}(E)).
Dada uma propriedade sobre os elementos de M, por exemplo "beleza", dizemos que " \mu-quase todo" elementos de M possuem esta propriedade quando o conjunto dos elementos que não possuem esta propriedade possuem medida nula, i.e., quando \mu(\{x \in M: \text{ $x$ não é belo}\}) = 0.
Vale ressaltar que dado \{ E_k \}_{k\in \mathbb{N}} uma família enumerável de conjuntos mensuráveis disjuntos dois-a-dois, sendo (M,\Sigma, \mu) um espaço de medida, temos que
\mu \left( \bigcup_{k=1}^{\infty} E_k \right) = \sum_{k=1}^{\infty} \mu(E_k).
Com isso, já podemos enunciar e provar o
Dada uma propriedade sobre os elementos de M, por exemplo "beleza", dizemos que " \mu-quase todo" elementos de M possuem esta propriedade quando o conjunto dos elementos que não possuem esta propriedade possuem medida nula, i.e., quando \mu(\{x \in M: \text{ $x$ não é belo}\}) = 0.
Vale ressaltar que dado \{ E_k \}_{k\in \mathbb{N}} uma família enumerável de conjuntos mensuráveis disjuntos dois-a-dois, sendo (M,\Sigma, \mu) um espaço de medida, temos que
\mu \left( \bigcup_{k=1}^{\infty} E_k \right) = \sum_{k=1}^{\infty} \mu(E_k).
Com isso, já podemos enunciar e provar o
Teorema (da Recorrência de Poincaré). Seja f: M \rightarrow M uma transformação mensurável e \mu uma medida invariante e finita. Seja E\subseteq M qualquer conjunto mensurável com \mu(E)>0. Então, \mu-quase todo ponto x\in E tem algum iterado f^n (x), com n\geq 1, que também está em E.
Em outras palavras, o teorema afirma que quase todo ponto de E regressa a E no futuro. A prova deste teorema até que é simples.
Demonstração, Seja E_0 o conjunto dos pontos que não regressam a E, i.e.,
E_0 = \{ x\in M : f^{n}(x) \notin E, \forall n\geq 1\}
Devemos mostrar que \mu(E_0) = 0. Primeiro, observe que f^{-n}(E_0) é disjunto de f^{-m}(E_0) sempre que m\neq n. De fato, suponha que existem m> n \geq 1 e x\in f^{-n}(E_0)\cap f^{-m}(E_0). Então y = f^{n}(x) \in E_0 e f^{m-n}(y) = f^{m}(x) \in E_0. Logo y regressa a E_0, portanto regressa a E. Mas isto contradiz a definição de E_0. Isto prova que f^{-n}(E_0) e f^{-m}(E_0) são disjuntos sempre que m\neq n.
Agora temos que
\mu \left( \bigcup_{n=0}^{\infty} f^{-n}(E_0) \right) = \sum_{n=0}^{\infty} \mu( f^{-n}(E_0)) = \sum_{n=0}^{\infty} \mu(E_0).
Na última passagem, usamos que \mu é invariante por f, o que implica que \mu( f^{-n}(E_0)) = \mu(E_0), para todo n\geq 1, como pode ser verificado facilmente por indução.
Até agora nada usamos da finitude de \mu. Pois bem, uma vez que \mu é finita, devemos ter
\mu \left( \bigcup_{n=0}^{\infty} f^{-n}(E_0) \right) < +\infty,
logo
\sum_{n=0}^{\infty} \mu(E_0) < + \infty.
Mas este último somatória é constituído de termos constantes, logo devemos ter que \mu(E_0) = 0, como queríamos.
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Como consequência direta deste teorema temos o seguinte
Demonstração. Seja E_k o conjunto dos pontos que regressam a E exatamente k vezes. Devemos mostrar que \mu\left(\bigcup_{k=1}^{\infty} E_k\right) = 0.
Para isto, é suficiente mostrarmos que \mu(E_k) = 0, para todo k\geq1.
Suponha que para algum k tenhamos que \mu(E_k) > 0. Então podemos aplicar o Teorema da Recorrência de Poincaré a este conjunto E_k. O que obtemos é que quase todo ponto x \in E_k regressa a E_k, i.e., y = f^{n}(x) \in E_0, para algum n\geq 1. Mas uma vez que y \in E_k, temos que y possui exatamente k iterados futuros que estão em E. Mas como y é um iterado de x, temos que x possui k+1 iterados futuros que regressam a E, contradizendo o fato de que x\in E_k. Logo \mu(E_k) = 0, de modo que isto é o que queríamos e portanto temos provado o corolário.
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Uma bela aplicação do Teorema de Poincaré é o seguinte
Demonstração. Considere f(x): [0,1] \rightarrow [0,1] definida como f(x) = 10x (mod 1), i.e.,
f(x) = 10x - \lfloor 10x \rfloor.
Como consequência direta deste teorema temos o seguinte
Corolário. Nas condições do teorema acima, temos que \mu-quase todo ponto x \in E regressa a E um número infinito de vezes, i.e., existem infinitos valores de n\geq 1 tais que f^{n}(x) está em E.Este corolário é as vezes enunciado como o Teorema da Recorrência de Poincaré. De fato, esta versão do teorema é mais útil na maioria das aplicações.
Demonstração. Seja E_k o conjunto dos pontos que regressam a E exatamente k vezes. Devemos mostrar que \mu\left(\bigcup_{k=1}^{\infty} E_k\right) = 0.
Para isto, é suficiente mostrarmos que \mu(E_k) = 0, para todo k\geq1.
Suponha que para algum k tenhamos que \mu(E_k) > 0. Então podemos aplicar o Teorema da Recorrência de Poincaré a este conjunto E_k. O que obtemos é que quase todo ponto x \in E_k regressa a E_k, i.e., y = f^{n}(x) \in E_0, para algum n\geq 1. Mas uma vez que y \in E_k, temos que y possui exatamente k iterados futuros que estão em E. Mas como y é um iterado de x, temos que x possui k+1 iterados futuros que regressam a E, contradizendo o fato de que x\in E_k. Logo \mu(E_k) = 0, de modo que isto é o que queríamos e portanto temos provado o corolário.
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Uma bela aplicação do Teorema de Poincaré é o seguinte
Teorema (de Kronecker). Quase todo número em [0,1] cuja a expansão decimal começa com o dígito 0 tem infinitos dígitos 0.Nada há de especial com o dígito 0. De fato, poderíamos trocar o 0 por qualquer outro dígito, por exemplo o 7.
Demonstração. Considere f(x): [0,1] \rightarrow [0,1] definida como f(x) = 10x (mod 1), i.e.,
f(x) = 10x - \lfloor 10x \rfloor.
Em outras palavras, f(x) é uma translação de uma casa decimal da expansão decimal de x. Por exemplo, f(0,741235) = 0,41235. De maneira mais geral, temos que f(0,a_1a_2a_3\ldots ) = 0,a_2a_3a_4\ldots.
Para aplicarmos o Teorema da Recorrência de Poincaré, devemos determinar a medida finita \mu que é invariante por f no conjunto [0,1]. Fomos mal intencionados ao enunciarmos o Teorema de Kronecker sem dizermos que o "quase todo" é referente a medida de Lebesgue. Consideramos, então, \mu como a medida de Lebesgue.
Ora, a medida de Lebesgue é finita em [0,1], de modo que só nos resta verificarmos que ela é invariante por f. De fato, se considerarmos E como um intervalo, então a pré imagem de E por f deverá ser a união de 10 intervalos disjuntos cada um com 1/10 do comprimento de E (veja figura abaixo), logo a medida da pré-imagem de E será igual a medida de E. Agora no caso de E ser um conjunto mensurável qualquer de [0,1], temos que E pode ser bem aproximado por união enumerável de intervalos, daí devemos ter que a invariância de \mu por f sobre E deverá valer também. Logo, a medida de Lebesgue é invariante por f.
Agora podemos aplicar o teorema: considere E como o conjuntos do números em [0,1] cuja a expansão decimal começa com o dígito 0. Temos que E = [0,1/10). Portanto \mu(E) >0. Logo quase todo x\in E regressa a E por f infinitas vezes (pelo corolário). Mas isto é equivalente a dizer que existem infinitos zeros na expansão decimal de x, pois se x = 0,a_1a_2a_3\ldots é a expansão decimal de x, então
f^{k}(x) = 0,a_{k+1}a_{k+2}a_{k+3}\ldots,
Para aplicarmos o Teorema da Recorrência de Poincaré, devemos determinar a medida finita \mu que é invariante por f no conjunto [0,1]. Fomos mal intencionados ao enunciarmos o Teorema de Kronecker sem dizermos que o "quase todo" é referente a medida de Lebesgue. Consideramos, então, \mu como a medida de Lebesgue.
Ora, a medida de Lebesgue é finita em [0,1], de modo que só nos resta verificarmos que ela é invariante por f. De fato, se considerarmos E como um intervalo, então a pré imagem de E por f deverá ser a união de 10 intervalos disjuntos cada um com 1/10 do comprimento de E (veja figura abaixo), logo a medida da pré-imagem de E será igual a medida de E. Agora no caso de E ser um conjunto mensurável qualquer de [0,1], temos que E pode ser bem aproximado por união enumerável de intervalos, daí devemos ter que a invariância de \mu por f sobre E deverá valer também. Logo, a medida de Lebesgue é invariante por f.
Agora podemos aplicar o teorema: considere E como o conjuntos do números em [0,1] cuja a expansão decimal começa com o dígito 0. Temos que E = [0,1/10). Portanto \mu(E) >0. Logo quase todo x\in E regressa a E por f infinitas vezes (pelo corolário). Mas isto é equivalente a dizer que existem infinitos zeros na expansão decimal de x, pois se x = 0,a_1a_2a_3\ldots é a expansão decimal de x, então
f^{k}(x) = 0,a_{k+1}a_{k+2}a_{k+3}\ldots,
e se f^{k}(x) \in E, então a_{k+1} = 0. Logo, o teorema segue.
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O Teorema da Recorrência de Poincaré possui uma versão topológica que pode ser encontrado tanto em [1] quanto em [2]. Nestes mesmos livros você poderá encontrar outros teoremas de recorrência. O primeiro livro eu indico para uma rápida introdução em teoria ergódica enquanto que o segundo livro indico para um aprofundamento da teoria.
É isso. Paro por aqui. Até a próxima!
Referências.
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O Teorema da Recorrência de Poincaré possui uma versão topológica que pode ser encontrado tanto em [1] quanto em [2]. Nestes mesmos livros você poderá encontrar outros teoremas de recorrência. O primeiro livro eu indico para uma rápida introdução em teoria ergódica enquanto que o segundo livro indico para um aprofundamento da teoria.
É isso. Paro por aqui. Até a próxima!
Referências.
[1] Krerley Oliveira. Um Primeiro Curso sobre Teoria Ergódica com Aplicações. 25º Colóquio Brasileiro de Matemática. 2005. (Disponível em http://www.impa.br/opencms/pt/biblioteca/cbm/25CBM/25CBM_14.pdf)
[2] Krerley Oliveira e Marcelo Viana. Fundamentos de Teoria Ergódica. (Disponível em http://w3.impa.br/~viana/out/fte.pdf)
[3] Ricardo Mañé. Aspecto Elementares da Teoria Ergódica. Revista Matemática Universitária. Nº 4, 1986. (Disponível em http://matematicauniversitaria.ime.usp.br/Conteudo/n04/n04_Artigo_03.pdf)
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